INTRODUÇÃO
A Terra, esfera, biosfera, pedra, magma, mineral, suporte. Terra planeta, terra matéria, ambos distintos; ambos um. É neste planeta “Terra” que encontramos a terra que suporta toda a vida, que nos nutre com matéria inerte, mas dinâmica, fria, mas plástica e é nesta dualidade de características que encontro dificuldade em afirmar que a terra, (solo), é matéria morta. Seria o mesmo que afirmar que o osso é morto, por apenas ser suporte de toda a massa muscular!
A nossa visão demasiado condicionada pelo horizonte Terreno, impede-nos de ter uma visão mais biocêntrica do mundo e no centro encontramos a “Terra” ou como parte da “Terra”, a terra.
“A emergência do pensamento racional na Grécia, cuja fulgurância e fecundidade revestiu para a posteridade a feição de um «milagre», coincidiu com a dessacralização da Natureza que, separada do seu pano de fundo mítico, se tornou objecto de discussão e análise racional. A evolução lenta e gradual desta consciência reflexiva correspondeu, paralelamente, a uma progressiva distanciação da Natureza, num processo de clara separação daquilo que o mito mantinha unido, ou seja, o homem e o mundo natural” (1)
AFASTAMENTO DA TERRA
Fomo-nos afastando da “Terra” por convencimento da nossa superioridade intelectual. Iniciamos então uma caminhada desde os tempos em que o homem descobriu o fogo, caminhada essa que se tornou corrida com a descoberta da agricultura há cerca de 12 mil anos e mais tarde, já no Séc. XIX, em cavalgada fulminante com a máquina a vapor. Em cada uma destas etapas a “Terra” foi perdendo estatuto na hierarquia do Mundo Natural e a terra matéria, como simples órgão da Biosfera torna-se invisível ao olho do homem, entretanto cego.
Ferimos, rasgamos, revolvemos, cortamos, partimos, trituramos, esmagamos…adjectivos sob os quais se constrói a sociedade moderna. Da pedra ao cimento, do minério ao metal, matéria preciosa que grandiosamente extraímos do equilibro a que pertencem. Deslocamos matéria sem nos apercebemos que é a nós que próprios que a retiramos e que constantemente nos amputamos. A nossa casa, sem tecto, sem chão, sem paredes, só janelas de espelhos reflectindo o próprio homem.
CONSTRUÇÃO EM TERRA
A terra como material de construção foi e é ainda hoje utilizado tanto pelo homem como por toda a natureza. Não será necessário fazer um enorme esforço mental para perceber que a terra é o cimento em que todas as plantas se alicerçam, onde bichos se escondem, outros constroem de facto as suas casas, como é o caso das térmitas e o caso do homem.
Com a descoberta da agricultura o homem inicia o seu processo de fixação e vai desenvolvendo e aperfeiçoando as suas técnicas de construção, que anteriormente não necessitava dada a sua condição de nómada. A terra terá sido certamente um dos primeiros materiais a serem utilizados, recobrindo armações vegetais de lama alisada à mão, mais tarde o adobe ou tijolo de terra seco ao sol.
Curioso é, que a fixação do homem que lhe permite dedicar-se ao cultivo da terra coincide igualmente o aparecimento do antropocentrismo que leva o Homem observar e moldar o meio de acordo com as suas necessidades. Contudo a terra é forte e ela persiste e resiste tendo como aliado o mais profundo subconsciente humano onde se encontra a mais pura identidade do homem.
“…ao tocar a rugosidade e o calor da cal, ao penetrar na sombra acolhedora das casas dos camponeses, ao sentir o cheiro doce da esteva, encontramos inevitavelmente o Mediterrâneo, onde as terras forma longamente humanizadas, onde são ainda poderosas e dignas as forças de um encadeado de gestos, onde os saberes não perderam as memórias do primeiro arado e do primeiro tecto de ramagem.” (2)
Ao nos reconciliarmos com a “Terra”, estaremos não só a preservar a casa que nos acolhe, como a dar sentido ao edificado humano, certamente a forma como utilizamos a matéria e a reconhecemos como sendo parte de nós ou apenas para nós, faz em si uma enorme diferença.
O SOLO
Quem é a Terra e de que é feita?
Não me aventuro a entrar profundamente na busca de uma resposta minimal e generalista para a questão que coloco, tão pouco o tentarei fazer sobre a sua mais superficial camada, o solo, mas por ai passarei brevemente.
“Para muitos fins é conveniente considerar o solo com uma mistura de materiais sólidos, líquidos e gasosos e tratá-lo como um sistema anisotrópico em que se distinguem fases sólida, líquida e gasosa.”
Podemos iniciar a descoberta do solo de dois pontos distintos. O da sua origem e/ou do seu estado actual. Partirei do segundo ponto pois é esse que considero ser de mais fácil visualização para o leitor.
O solo é para muitos o equivalente a terra, mas essa seria uma visão redutora do mesmo. O Solo é como uma espécie de órgão principal de todo um ecossistema que parece existir apenas com uma função. Sustentar a Vida.
A Vida, “nasce e morre”, é gerada sobre as mais variadas formas, animal, vegetal, etc…todos vivem aqui, neste planeta, num sistema, num grande ecossistema, na biosfera. Em toda a forma de vida, dois pontos comuns, o nascimento e a morte.
Pois é na morte de cada organismo vivo que cai sobre o solo que este se inicia a partir da sua parte mais superficial. Este acolhe a matéria morta para incorporar em si todos os elementos necessários à vida, os minerais são libertos das suas formas mais estáveis para serem novamente disponibilizados e renovados.
Aquilo que vulgarmente chamamos, terra, a parte mineral do solo, não é mais do que um esqueleto que sustenta a revitalização da matéria morta em matéria viva. Sustenta as plantas e os minerais de que necessitam, sustenta os microrganismos e outros que convertem moléculas complexas em simples para que estejam disponíveis, mais uma vez, para as plantas. E de onde vêm todos estes minerais? Do núcleo da terra, uma massa desorganizada de elementos em ebulição constante que vão emergindo, arrefecendo e fruto de diferentes pressões e tensões, formando estruturas sólidas, a rocha. A rocha que sujeita a movimentos das várias placas, emerge até ao ponto de se encontrar perto da superfície. Tudo se passa num ciclo, um carrossel natural que obedece a um ritual que existe com um único fim. A rocha mãe do solo liberta lentamente os seus minerais, que nos seus diferentes tamanhos e características químicas formam diferentes tipos de estruturas, diferentes tipos de solos. Partículas maiores e menores, a areia, o limo, a argila. Essa é a estrutura o esqueleto, plástico, inerte, de modificação lenta. Em cima a matéria orgânica, manta morta, conferindo-lhe fertilidade, como musculo, como o sangue. Enfim, muito superficialmente o solo.
(1) Varandas M.J., 2004, O Valor do Mundo Natural – Perpectivas para uma ética do ambiente 2ª Edição – SEA/Apena Livros
(2) Torres C., Arqueólogo: Director do Campo Arqueológico de Mértola
(3) Da Costa J.B., 1995, Caracterização e constituição do solo 5ª Edição – Fundação Calouste Gulbenkian
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