Este é um artigo que encontrado no Blog, (http://ambio.blogspot.com) e apesar da sua extensão merece que seja lido com atenção.
Aqui se explicam algumas das causas pelas quais o impera o caos no que respeita à urbanização dos nossos solos e razões para que o solo seja pouco valorizável quando para fins agrícolas ou de reserva ecológica/natural, etc...
A regra é: Qualquer solo vale menos se não puder ter cimento em cima.
Assim sendo, perdoem-me o sarcasmo. Mais valia cimentar um pais para sermos finalmente ricos...pelo menos o nosso solo valeria ouro.
Deixo-vos com a transcrição da entrevista.
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Entrevista integra dada por Pedro Bingre do Amaral ao Jornal Expresso a 5 de Novembro de 2005.
EXPR: Acha que a actual legislação sobre urbanismo e planeamento é adequada?
PBA: Uma árvore avalia-se pelos seus frutos. O valor de uma Lei urbanística deve avaliar-se não apenas pela óptica puramente jurídica, mas também pelos resultados que produz no terreno. O caos urbanístico que alastrou por todo o país, sobretudo nos últimos quinze anos, vicejou ao abrigo da Lei. Os grandes horrores urbanísticos dos subúrbios de Lisboa e Porto são na sua imensa maioria legais. O estado devoluto das centenas de milhares de habitações retidas em açambarcamento especulativo é legal. O abandono a que está votado 1/3 do espaço agro-florestal do país é legal. O loteamento e a urbanização de enormes subúrbios, em quantidades e preços desajustados à sociedade portuguesa são legais. A péssima qualidade arquitectónica e urbanística das expansões urbanas é legal. É legal, apesar de imoral, a especulação desenfreada sobre o solo urbanizável, que chama a si até metade do preço final dos edifícios. Em suma: o planeamento urbanístico e o ordenamento do território que resultam desta legislação não são nada brilhantes. Os inúmeros planos de ordenamento do território (regionais, municipais, especiais, &c) que dela emergiram desde os meados da década de noventa não impediram a expansão do caos urbanístico: apenas lhe deram um verniz de legalidade.
É importante notar que os vícios da actual legislação urbanística vão além dos efeitos concretos e perniciosos que provocam sobre o território. Valores tão axiomáticos de um Estado de Direito, como a equidade e a justiça, são por ela violados. O estabelecimento de um plano de ordenamento do território é um acto normativo de extraordinário impacto económico que, nos moldes da nossa legislação actual, produz enormes injustiças, sobretudo no que concerne às mais-valias resultantes do processo de planeamento.
Imagine-se, a título de exemplo, que é promulgado um Plano de Ordenamento do Território sobre um município onde existe uma acentuada procura de habitação a par de uma moderada procura de terrenos para o exercício da agricultura, como tantos da faixa litoral entre Setúbal e Braga. À partida, os empresários agrícolas encontram-se dispostos a adquirir terrenos para cultivo por um valor máximo de 5.000 € por hectare, montante acima do qual a aquisição condenaria à insolvência os seus empreendimentos agrícolas. Os empresários da construção civil, em contrapartida, estão dispostos a adquirir quaisquer terrenos urbanizáveis por 1.000.000 € por hectare.
Entra então em vigor um novo Plano de Ordenamento do Território que passa a estabelecer quatro categorias de uso do solo, além das manchas de uso urbano já consolidadas: urbanizável, agrícola e reserva natural integral. Como resultado, verifica-se que:
• Os proprietários de solos agrícolas entretanto classificados pelo POT como agrícolas vêem o seu património manter o valor de mercado que já detinha;
• Os proprietários de solos agrícolas reclassificados como “urbanizáveis” vêem os seus terrenos valorizarem-se a 20.000%.
• Os proprietários de solos agrícolas reclassificados como “reserva natural integral” vêem os seus terrenos perderem qualquer valor de mercado e todo o valor de uso.
Estamos, pois, perante um exemplo extremo do carácter discriminatório do plano de ordenamento, que viola o princípio da igualdade de tratamento do Estado a todos os cidadãos. Uns terratenentes ganharam uma “fortuna trazida pelo vento”, outros ficaram indiferentes, outros ainda foram virtualmente expropriados. Toda esta iniquidade é legitimada pela nossa legislação actual. O mecanismo das perequações actualmente em vigor não resolve este problema.
Especial atenção merece, no seio deste exemplo, a questão das tais “fortunas trazidas pelo vento” ou, melhor dizendo, das mais-valias geradas pela promulgação de planos de ordenamento do território. Segundo a ordem jurídica vigente em Portugal, as mais-valias urbanísticas (o incremento do valor que um solo rústico ganha quando é reclassificado de urbanizável) pertencem ao proprietário do imóvel afectado. Dada a enorme magnitude destas mais-valias um proprietário cujo terreno agrícola tenha sido reclassificado de urbanizável em sede de POT (no caso em epígrafe, 995.000 € por hectare), ou cujo loteamento e urbanização tenham sido aprovados durante o período de suspensão de PDM, goza o privilégio de ter tido a Administração Pública a instantaneamente multiplicar por dezenas ou centenas o valor do seu património imobiliário. É imoral que a legislação conceda a um proprietário de solos agro-florestais semelhante fortuna imerecida, que terá de ser desembolsada por toda a sociedade. Merece a pena citar o seguinte trecho de Stuart Mill (Principles of Political Economy [1848], livro 5, capítulo II):
“Suponhamos que existe um género de renda que tende a aumentar de valor sem qualquer sacrifício ou esforço da parte dos seus proprietários: esses proprietários constituem uma classe que enriquece passivamente às custas da restante comunidade. Neste caso o Estado não estaria a violar o princípio da propriedade privada se recapturasse este incremento de riqueza à medida que ele vai surgindo. Isto não constituiria propriamente uma expropriação, mas apenas uma canalização em benefício da sociedade da riqueza criada pelas circunstâncias colectivas, em lugar de a deixar tornar-se o tesouro imerecido de uma classe particular de cidadãos. Ora, este é justamente o caso da renda do solo [no seio da qual se encontram as mais-valias urbanísticas].”
A filosofia de Stuart Mill, no que concerne às mais-valias urbanísticas, informou e orientou a legislação urbanística de todo o Ocidente desde os meados do século XX. Em Portugal isto ainda não sucede, com os nefastos resultados sociais, económicos e ambientais que sobejamente conhecemos.
EXPR: Como acabar com a proliferação de excepções aos planos urbanísticos?
PBA: Quase todas as excepções aos planos que os proprietários de solos agro-florestais procuram obter para os seus terrenos consistem ou na inclusão das suas propriedades em perímetros urbanizáveis, ou, no caso de essas propriedades já serem urbanizáveis de antemão, no aumento dos índices de construção que lhes haviam sido atribuídos. Em ambos os casos o que sucede, caso vinguem as suas intenções, é que o mero acto administrativo que torna os solos urbanizáveis ou aumenta os seus índices construtivos faz aumentar automaticamente dezenas ou centenas de vezes o valor inicial do imóvel. Por outras palavras, graças a um mero acto administrativo o terratenente vê aumentar copiosamente o valor do seu património imobiliário, ou seja, recebe uma enorme mais-valia urbanística. Se, à semelhança da legislação dos restantes países ocidentais, a nossa Lei consagrasse de modo claro e inequívoco a recaptura pública desta mais-valia (por exemplo, levando o proprietário a pagar ao Estado uma taxa idêntica à valorização que o terreno sofreu pela excepção reclassificatória), os terratenentes perderiam o afã de lotear os seus terrenos.
A procura de excepções aos planos é somente motivada pela ânsia dos privados capturarem as mais-valias urbanísticas que, imoralmente, a nossa Lei lhes concede. Todos os proprietários de solos agro-florestais querem que o seu terreno passe a ser urbanizável, pois sabem que no instante em que o alvará de loteamento lhes for concedido o seu património passa a valer centenas de vezes mais, sem qualquer risco, esforço ou mérito da sua parte. Esta é uma situação jurídico-administrativa sem paralelo em todo o Ocidente, e é a verdadeira causa das tremendas pressões que os privados exercem sobre a elaboração dos PDMs de modo a tornarem loteáveis os seus terrenos com os índices o mais elevados possíveis. Daí resulta o caos urbanístico que nos distingue do resto da Europa, onde a Lei é bem diferente.
EXPR: Como resolver as brechas que permitem que se contorne a lei e facilmente se transformem solos rurais em urbanos, de acordo com «as simpatias» dos autarcas e sem qualquer planeamento?
PBA: É preciso matar a serpente no ovo. O móbil dessas tentativas de contorno da Lei é a captura das mais-valias urbanísticas trazidas pela acção urbanística da administração pública. Se a Lei consagrar a recaptura pelo Estado dessas mais-valias deixa de haver a maior parte da motivação para a procura de licenciamentos “excepcionais”. Melhor ainda seria que nem sequer houvesse necessidade de “recapturar” as mais-valias: estas deveriam ser desde logo retidas na fonte.
Seria sobremodo benéfico para o ordenamento do território em Portugal que se instituísse uma ordem jurídica capaz de seguir o preceito da indiferença dos terratenentes face aos planos urbanísticos: o proprietário dos solos agro-florestais deveria mover-se num quadro legal onde lhe seriam economicamente indiferentes as alterações aos planos urbanísticos: se por meio da revisão destes o seu terreno recebesse mais-valias urbanísticas, estas seriam recapturadas pelo Estado; se o seu terreno recebesse menos-valias, estas ser-lhe-iam ressarcidas. O mesmo preceito deveria ser aplicado às mais-valias que resultam do aumento dos índices de construção: taxas ou indemnizações, consoante o caso, deveriam assegurar que o proprietário não obtivesse nenhum proveito económico nem nenhum prejuízo económico quando o seu lote visse alterado o volume de construção permitida.
EXPR: Refira um ou dois exemplos concretos que reflictam esta realidade.
PBA: Não têm faltado na imprensa nacional escândalos relacionados com a aprovação excepcional de loteamentos, seja quanto à área afectada, seja quanto aos elevados índices de construção concedidos. O que mais surpreende, no entanto, é que quase todos esses escândalos tenham cobertura legal.
Um método muito empregue para viabilizar legalmente um empreendimento urbanístico não previsto em PDM consiste em suspender este último nos termos do Decreto-Lei nº 380/99, licenciar o empreendimento, e recolocar o Plano em vigor. Tal processo é permitido sempre que “se verifiquem circunstâncias excepcionais resultantes de alteração significativa das perspectivas de desenvolvimento económico” (artigo 100º) e resulta da deliberação da assembleia municipal sob proposta do executivo camarário, ou ainda por meio de decreto regulamentar.
Ora, nenhum PDM é dotado de uma análise exaustiva do seu impacto económico, quantificando rigorosamente os efeitos que terá sobre o preço dos solos e dos edifícios, discriminando quem irá beneficiar do plano, quanto irá ganhar, e quem irá pagar os custo finais desse mesmo plano. Isto é tanto mais surpreendente quanto é sabido que poucas acções da Administração Pública influenciam mais os custos do imobiliário do que os planos territoriais. Sendo assim, como é possível analisar objectivamente a “excepcionalidade” das circunstâncias que rodeiam os empreendimentos? Está-se no domínio do puro julgamento subjectivo e arbitrário, numa decisão que envolve a concessão de fortunas “trazidas pelo vento”. Como pode ser que numa assembleia municipal, ou num gabinete autárquico, se possa decidir a valorização de um hectare de terreno em até 500 mil contos, sem qualquer mérito do proprietário?
EXPR: Como equaciona a recaptura das mais valias urbanísticas? Acha que o Estado deve ter a prerrogativa de lotear o solo ou esta deve estar nas mãos dos privados?
PBA: Importa distinguir três etapas da expansão urbana: o loteamento, a urbanização e a edificação.
• O loteamento é uma mera operação jurídico-administrativa em que um terreno agrícola é repartido em lotes privados para construção, e certas parcelas desse terreno são reservadas para as acessibilidades e outras infra-estruturas comunitárias. É por via do loteamento que o terratenente realiza as mais-valias urbanísticas, mesmo sem ter realizado qualquer obra física.
• A urbanização é o processo de desenhar e implantar a malha urbana, no que concerne a acessibilidades e infra-estruturas públicas. É neste processo que se desenham e constroem ruas, praças, avenidas, jardins, &c, e se decide a volumetria e os usos a autorizar em cada lote.
• A edificação é o processo de construção dos edifícios nos respectivos lotes, em obediência aos planos de urbanização.
Sou favorável à ideia segundo a qual o loteamento deve ser uma operação inteiramente pública, a urbanização uma empreitada de obras públicas sujeita a concurso, e a edificação um processo inteiramente privado.
É sobremodo fundamental que a Administração detenha a prerrogativa exclusiva de lotear o solo, como tende a ser prática comum nos países mais desenvolvidos, sendo exemplos particularmente rigorosos desta filosofia a Holanda e a Suécia. Só dessa forma se consegue assegurar que perto de 100% das mais-valias urbanísticas sejam utilizadas para o bem comum, e se logra vencer a pressão dos particulares para lotear e urbanizar os seus terrenos, onde quer que eles se localizem e independentemente das reais necessidades do colectivo.
A par deste método, que necessariamente passa pela posse pública dos terrenos urbanizáveis, existem outros métodos mistos de parceria entre a Administração e os particulares. Todos eles, porém, controlam de forma draconiana a recaptura de mais-valias urbanísticas, exigindo aos loteadores particulares o pagamento de taxas e a prestação de contrapartidas.
Actualmente, as mais-valias urbanísticas podem ser cobradas ao terratenente no âmbito do IRS ou do IRC. Isto levanta um problema ontológico de base: deve o Estado cobrar impostos sobre um rendimento imerecido que resultou da sua própria acção urbanística? Será apropriado que o Estado conceda a um particular um milhão de euros em mais-valias urbanísticas, autêntico grande prémio de lotaria (no sentido em que não resultou do trabalho, mas da “sorte” de uma decisão político-administrativa favorável), e depois tribute apenas 40% dessa fortuna?
EXPR: Como classifica a actuação dos autarcas e das CCDRs ?
PBA: Tal como afirmei, o acto político-administrativo de reclassificar como “urbanizável” um terreno até aí “agro-florestal” traz ao respectivo proprietário uma fortuna imediata, sem esforço nem risco. Ora, o autarca é um protagonista deste acto: os seus bons ofícios são o toque de Midas que converte em ouro o património imobiliário. As CCDRs também influem neste processo, facilitando ou impedindo a reclassificação. Da capacidade argumentativa do terratenente e do beneplácito daqueles decisores depende a captura, ou não, das imensas mais-valias urbanísticas. É uma enorme fortuna “trazida pelo vento” que está em jogo, e o seu destino é jogado largamente segundo a consciência do decisor político e administrativo.
A avaliar pelas fortunas imerecidas que o urbanismo tem gerado, e pelo caos que tem resultado de inúmeros licenciamentos avulsos e rentabilíssimos, não posso classificar de benéfica a actuação dos autarcas nem das CCDRs. O mesmo se pode dizer de outros diplomas legais de instância superior que produzem as mesmas excepções aos planos e os mesmos rendimentos.
EXPR: Em que moldes uma nova lei das Finanças locais pode corrigir o actual regime especulativo sobre o uso do solo? Há representantes da Ordem dos Arquitectos no grupo de trabalho?
PBA: A tributação do património imobiliário não pode ter como mera função arrecadar receitas para o Estado e as Autarquias. Deve ser também um instrumento para estimular o bom uso dos imóveis e desmotivar o seu subaproveitamento e açambarcamento especulativo.
Se, à semelhança do que se faz nos países mais desenvolvidos, o proprietário de um imóvel devoluto (rústico ou urbano) contribuísse com uma tributação muito agravada, e em casos mais graves de abandono prolongado sofresse uma coima ou visse o seu imóvel ser automaticamente chamado à posse administrativa, é certo que o mercado imobiliário ganharia uma fluidez muito saudável. Cessariam os açambarcamentos especulativos, os edifícios desocupados e os campos incultos seriam colocados no mercado a baixo preço, e o subaproveitamento do território seria desmotivado. As próprias mais-valias urbanísticas minguariam à medida que fossem desprovidas da sua fracção especulativa.
É frequente afirmar-se que número excessivo de licenciamentos de construção feitos nos nossos municípios resulta da sua necessidade de obter receitas por via da cobrança de licenças e de contribuições autárquicas. Não creio que seja esse o caso: a causa mais provável será a intensa procura de alvarás de loteamento por parte dos terratenentes, que desse modo enriquecem, e de que maneira!, com as mais-valias urbanísticas.
EXPR: Faz sentido continuar a alargar perímetros urbanos nos concelhos da Grande Lisboa e do Grande Porto?
PBA: Talvez nos devêssemos perguntar se se deverá forçar os portugueses que hoje habitam os enormes e miseráveis subúrbios das nossas cidades a permanecerem o resto das suas vidas nesse mesmo género de subúrbio, ou se se deverão criar novas expansões urbanas condignas, espaçosas, confortáveis, vendidas a preços baixos, o mais possível isentas de empolamentos especulativos. Se se optar por esta segunda via, necessariamente haverá que criar novas expansões urbanas, quiçá nos moldes das “New Tows” britânicas: cidades-jardim, de baixa densidade, resultantes de loteamentos públicos, a preços acessíveis. O bairro lisboeta da Encarnação seguiu este modelo, mas foi construído antes de a Lei dos Loteamentos de 1965 ter liquidado o urbanismo em Portugal e impossibilitado a continuação desse modelo de planeamento. Para tornar de novo exequíveis esta forma de planear é imprescindível uma revisão profunda das nossas bases legislativas do ordenamento do território.
EXPR: Faz sentido construir de novo ou requalificar?
PBA: Parece-me fazer todo o sentido requalificar bairros de grande qualidade de desenho e de construção; parece-me difícil requalificar bairros desprovidos de ambos os atributos. Duvido que exista requalificação possível para Massamá, para a Tapada das Mercês, para a Ramada, para o Cacém, para o Casal de São Marcos e todos os seus equivalentes de Norte a Sul do país. Além disso, a robustez de muitos desses edifícios é tão precária que dentro de poucas décadas poderão tornar-se inseguros. Na melhor das hipóteses poder-se-ão administrar pequenos paliativos: criar jardins nas escassas manchas de solo desocupado, instalar mobiliário urbano, &c. Essa será uma solução conjuntural. Para uma solução estrutural será necessário, a meu ver, criar novas expansões urbanas (as cidades-jardim que já referi) segundo os trâmites de uma legislação urbanística que consagre a prerrogativa estatal dos loteamentos e a função social das mais-valias urbanísticas.
EXPR: Portugal pode enfrentar um «crash» do mercado imobiliário?
PBA: Faltam-me estatísticas objectivas, imparciais e abrangentes sobre este fenómeno. Em todo o caso, a imprensa económica nacional e internacional vem anunciando a iminência de quebras muito acentuadas no volume de vendas, assim como uma quebra nos preços praticados.
Em certos bairros periféricos de Lisboa, Porto e Coimbra o preço do imobiliário desceu 20% no último ano – facto inédito na última década, durante a qual o preço dos imóveis subiu 300% por fenómenos inteiramente especulativos.
Estima-se que existam mais de 700 mil fogos habitacionais devolutos em Portugal, muitos dos quais novos e nunca habitados. Os seus preços mantêm-se artificialmente elevados devido ao açambarcamento de que são alvo. No dia em que o nosso país aplicar coimas à retenção de imóveis sem uso, o mercado imobiliário ver-se-á obrigado a baixar muito significativamente os preços para conseguir escoar com rapidez o excesso de oferta.
EXPR: De quem é a responsabilidade do caos urbanístico dos últimos 30 anos?
PBA: De todos os políticos governamentais e autárquicos que sobre a questão absolutamente axiomática que é a recaptura das mais-valias ou cultivaram a ignorância, ou cultivaram o silêncio, deixando crescer um caos urbanístico muitíssimo rentável para alguns promotores e muito prejudicial para toda a restante sociedade. Este problema afecta-nos gravemente desde que foi promulgada a Lei dos Loteamentos (D.L. 46673) de 1965, mas nunca foi discutido em profundidade na Assembleia da República, o que é insólito.
A questão das mais-valias urbanísticas tem sido profundamente estudada por toda a Europa desde os finais do século XIX, posto que é o busílis económico de toda a problemática do planeamento urbano. Sem recaptura das mais-valias urbanísticas o urbanismo não passa de uma subtil guerra hobbesiana pela exploração de solos urbanizáveis. Em todos os países civilizados esta questão mereceu a mais alta atenção por parte de juristas, economistas, urbanistas e políticos, ao passo que no nosso país tem sido marginalizada. Não se compreende como é que em Portugal a classe política tem tratado esta questão como um mero fait-divers, ao mesmo tempo que deixa alguns promotores imobiliários enriquecerem imerecidamente com as mais-valias urbanísticas que, no fim, serão pagas por todo o colectivo. Quem sofre com esta incúria são os portugueses que comprometem quase metade do seu orçamento familiar num crédito à habitação que demora toda uma vida a liquidar.
Também tem sido altamente censurável a marginalização e adiamentos sistemáticos a que foram votadas as reformas da lei dos arrendamentos e da tributação do património imobiliário. Em ambos os domínios encontramo-nos décadas atrasados.
EXPR: Será realmente a captura privada das mais-valias urbanísticas associadas aos loteamentos particulares a principal causa do caos urbanístico?
PBA: Podemos constatar por via sincrónica e por via diacrónica como o problema do caos urbanístico deriva da concessão do direito de lotear aos particulares. Há, de resto, uma ampla bibliografia nacional e estrangeira a sustentar esta tese.
Análise sincrónica: o caos urbanístico português é quantitativamente e qualitativamente muito mais acentuado do que o existente nos restantes países europeus. Qual a principal, a esmagadora diferença, entre o nosso sistema jurídico-administrativo e o deles? O facto de nós não só permitirmos que sejam os proprietários dos terrenos a loteá-los, como também a guardar para si as mais-valias urbanísticas. Além disso, países europeus vizinhos penalizam gravemente a sub-utilização e a retenção especulativa de imóveis, quer urbanos quer rústicos.
A título de exemplo, comparem-se vilas fronteiriças como Vilar Formoso e Fuentes de Oñoro. Do lado português existem inúmeros edifícios devolutos, um desenho de expansões urbanas de medíocre qualidade, e um espaço agro-florestal derrelicto. Do lado espanhol vemos a maioria dos edifícios sendo utilizados e bem mantidos, uma área urbana com um traçado bem ordenado, e um espaço agro-florestal cultivado. Entre uma vila e outra não difere o contexto social, nem económico, nem agrícola, mas apenas o contexto jurídico e tributário.
Análise diacrónica: comparemos por fotografia aérea os "anéis de crescimento" das expansões urbanas portuguesas antes e após 1965, ano em que os loteamentos e urbanizações particulares começaram a ser autorizados em Portugal, justamente ao contrário de tudo o que se vinha legislando no resto da Europa. Comparemos a qualidade da malha urbana construída quando o Estado era a única entidade autorizada a urbanizar (analise os "ensanches" de Ressano Garcia e de Duarte Pacheco, por exemplo) e a construída quando as expansões urbanas foram entregues aos promotores particulares. Comparemos as urbanizações estatais dos anos 30, 40, e 50 com as urbanizações privadas que se vêm fazendo desde os anos 60. O que as faz tão diferentes? As legislações que amparavam um e outro.
O problema dos loteamentos vai além da simples esfera urbanística. Da foz do Lima à foz do Sado, basta à Administração Pública autorizar o loteamento de 4 ou 5 hectares para enriquecer instantaneamente o respectivo proprietário em até mais de um milhão de contos. Rendimentos desta natureza e desta magnitude, que não resultam do trabalho e são pagos com o esforço financeiro de toda a sociedade, corrompem a moral pública, as instituições administrativas e todo o empreendedorismo económico. Acresce ainda que há um imenso custo de oportunidade associado à especulação imobiliária: o capital nela investido é subtraido ao investimento na indústria, nas florestas, na agricultura...
Por fim, “last but not least”, importa referir que o facto de o nosso Estado não controlar as mais-valias tem um custo directo para todos os que adquirem habitação. Em média, elas representam até 50% do preço do edifício final. Se o Estado retivesse as mais-valias na fonte e promovesse a sua redução, essas mais-valias reduzir-se-iam para 15% ou menos do preço do edifício. Por outras palavras: a habitação em Portugal poderia custar menos 35% - um montante nada despiciendo para o orçamento familiar dos portugueses.
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